Paixão dos carpinteiros à moda antiga, o pé de cabra é o terror de qualquer sistema moderno de fôrmas. No outro extremo, incutir na mão de obra a cultura do zelo, de ter cuidado com o equipamento – seja de plástico, seja de metal ou madeira -, é o que mais conta para que ele possa ter um ciclo de vida maior, gerando menos resíduo e menos impacto ambiental. Portanto, investir em treinamento dos funcionários é uma das saídas que várias empresas têm adotado para minimizar os impactos da crise econômica e se preparar para a retomada do crescimento. Algumas empresas dispõem de profissionais que permanecem até dois meses em uma obra só para treinar o pessoal para utilizar o sistema – que, além de proporcionar maior produtividade, permite economia em mão de obra de pintura, por exemplo.
Reunimos seis fornecedores de sistemas de fôrmas, mais o engenheiro Antonio Carlos Zorzi, membro do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sinduscon-SP, para falar do assunto. A conversa tratou desde os cuidados com a gestão de resíduos até as novidades tecnológicas que o mercado brasileiro já tem à disposição. Veja os principais trechos a seguir.
Mesa-redonda
Quais os cuidados que vocês, fornecedores de sistemas, orientam as construtoras a tomar com a mão de obra, na montagem e na desmontagem, para que haja efetivamente o reaproveitamento do material e ele tenha a vida útil esperada?
CANDIDO RIBAS MAGALHÃES No nosso caso, que são as fôrmas modulares metálicas com face de compensado, é importante o uso do desmoldante. E durante a aplicação a gente indica muito, após a aplicação do concreto, que se faça a lavagem da fôrma para já facilitar a limpeza. Durante o manuseio, falamos dos cuidados de não jogar a fôrma para não danificar tanto a chapa, não furar, não danificar o compensado, para que ela tenha a vida útil de reutilização.
Vocês acompanham esse processo durante a obra?
MAGALHÃES A gente tem um acompanhamento técnico e, quando é solicitado pelo cliente, ministramos um treinamento para a mão de obra. Mas, apesar de divulgarmos, a demanda por esse treinamento, ainda é muito pequena, porque muitas construtoras não têm tempo ou não veem sua vantagem.
EDENILSON RIVABENE Na Metro Modular estamos trabalhando bem forte esse assunto. Por ser um sistema misto, metálico e plástico, há a fragilidade do plástico, que é um material mais sensível à obra. Tem que encontrar aquele equilíbrio entre não perder produtividade e o pessoal não destruir o equipamento. Já temos há um ano e meio um trabalho de monitoramento mensal em algumas obras. É um custo que foi difícil encaixar, mas a nossa diretoria percebeu que é um investimento. Fazemos um relatório escrito e fotográfico que depois é enviado para todos os níveis da empresa. Acaba sendo um dedo-duro, mas é bom para todos, porque, se houver um procedimento errado, imediatamente a equipe de engenharia do canteiro toma conhecimento e providências para que não gere um desconforto no final da obra. Como trabalhamos mais fortemente com locação sempre tem aquele desconforto final de indenização. E sobre a questão do resíduo, o que se quebra, que é natural, a gente recolhe e faz a recompra, independentemente de estar quebrado. Pagamos um valor simbólico, de sucata. E fizemos algumas peças, que não são estruturais, alguns espaçadores, que são consumíveis ali na obra. A gente faz com um material específico para que o processo não tenha resíduo, para que a fôrma não volte e vá para um aterro. Fazemos um último produto ali, que fica preso no concreto depois. Então, fechamos nosso ciclo sem descarte de produto.
ANGELO CARISIO NASCIUTTI Nessa linha do plástico, tivemos a mesma preocupação com o acompanhamento e a destinação. O sistema Atex dispensa assoalhamento justamente para evitar ter duas etapas na obra. Então, a fôrma precisa servir de apoio a essa etapa de montagem e colocação dos ferros e garantir a segurança dos trabalhadores. Por isso nós só trabalhamos com material de primeira injeção. Quando o material é de segunda injeção ou reciclado, ele se torna quebradiço e não tem como garantir a resistência. Mas a composição da fôrma Atex permite a recuperação do material. Quando ela tem pequenos danos, impacta em pequeno custo em vez de o cliente pagar uma fôrma de primeira.
A fôrma é restaurada?
NASCIUTTI Sim, a fôrma é restaurada. Ela recebe uma solda, e volta. E, quando ela chega ao fim da vida útil, fechamos o ciclo ambiental.
PAULO BRAATZ A gente usa uma placa frontal de polipropileno fabricada lá fora. É um equipamento caro, uma face cara, que é enrijecida ali com um fio.
NASCIUTTI E permite recuperação?
BRAATZ Ela também permite essa solda porque o polipropileno tem essa propriedade. Nós já temos experiência de mais de 650 usos e continua em utilização. Na Alemanha já existem casos com mais de 1.300 usos. A possibilidade de recuperação, com um equipamento portátil, facilita muito. E esse material é reciclável no final da vida útil. Só que o metal termina antes da fôrma, da face em si. A gente se preocupou com o peso das peças, de não ser exagerado, então a face frontal tem uma vida útil impressionante. E ela se renova, o que minimiza o resíduo em si.
JÚLIO AGUIRRE O índice que temos de recuperação é de mais ou menos 10% ao ano. Nós reutilizamos fôrma todos os dias nesse sistema de parede de concreto e laje. Isso foi o avanço do sistema construtivo. A gente fazia parede num dia, e laje no outro dia.
NASCIUTTI Com o mesmo material?
AGUIRRE Antes, a gente fazia com alvenaria e laje de concreto, e demorava 15 dias para desformar. Hoje, com 14 horas eu consigo reutilizar a fôrma. A preocupação a gente tem antes de começar a obra, para não haver desperdício, perdas e geração de entulho. Por isso, o projeto tem que ser mais bem elaborado. Com projetos de prefeituras, o pessoal costuma já pedir a fôrma. Daí, a gente tenta voltar muitos degraus, que seria ter o projeto de arquitetura depois de ter feito a estrutura, a elétrica e a hidráulica. Tendo o conjunto de todos esses elementos eu não tenho que quebrar, porque o sistema não permite isso. É uma parede maciça de concreto, não vou quebrar e depois rebocar. O índice desse resíduo é o seguinte: a cada 16 apartamentos uma caçamba é enchida de entulho, que é concreto que sobe. Daí já vem a pintura, a janela… Então, não tenho a geração de entulho, reduzimos muito esse índice na obra. E o treinamento é o nosso forte. A gente deixa dois meses uma pessoa na obra ensinando o pessoal a usar o equipamento, porque é muito difícil o funcionário sair do pé de cabra, da madeira, para a fôrma. E temos que modificar essa cultura.
O pé de cabra é o terror de toda fôrma?
AGUIRRE É. Mas com o treinamento a gente conseguiu fazer a vida útil da fôrma durar quatro, cinco anos. E todo mês voltamos para fazer o monitoramento.
ANTONIO CARLOS ZORZI Esse sistema é para o segmento econômico, igual à fôrma de alumínio?
AGUIRRE A gente começou no econômico. Daí as construtoras viram que dá resultado e agora está no médio e no alto segmento. O que precisa ter é reaproveitamento. Não posso comprar um equipamento desses para fazer 30 unidades. São necessárias 300.
Em que medida esses sistemas de fôrmas eliminam etapas do acabamento? É possível desenformar e já pintar a parede do lado externo?
AGUIRRE Isso é impossível, mas chegamos muito perto disso. A gente promete economizar a pintura e a mão de obra da pintura. Mas vai precisar de uma regularização. Antes, não existia outro material e usava-se gesso. Agora, usamos 2 mm [de regularização] e uma massa especial. Passomos 2 mm de massa e depois aplicamos tinta látex.
Como é feita essa interface entre o fornecedor de fôrmas e o fornecedor de concreto?
AGUIRRE No caso das paredes de concreto, a gente interfere e acompanha a construtora na concreteira. O calculista especifica o concreto. No início, usávamos vibrador, martelo de borracha, e não ficava bom. Não se usa mais vibrador. Tem que ser concreto autoadensável. No início, o preço era muito alto, por isso foi rejeitado. Com o tempo, perceberam que o concreto autoadensável eliminava totalmente a bicheira, um benefício. Não gerando retrabalho, há ganho de muito tempo, porque é necessário desformar todo dia. Se detecto uma bicheira, tenho que segurar a fôrma e já perdi um dia. Então, o concreto autoadensável está dando uma qualidade de superfície perfeita, sem bolha de ar e sem bicheira. É preciso se preocupar com o concreto, senão o defeito vai para a fôrma.
NASCIUTTI Para o pessoal do concreto a gente sugere, mas quem determina é o construtor. E o que ele vai encontrar de fornecedor de concreto na sua região. Existe uma variação muito grande nos padrões de qualidade no Brasil inteiro. A gente orienta e faz um acompanhamento na obra, especialmente nas primeiras concretagens, para ver a utilização do vibrador de maneira correta, para que o concreto não venha com muita bicheira. Ela é uma das patologias mais comuns e ocorre por falta de vibração adequada. Falta, talvez, de acompanhamento da vibração, e em alguns casos há influência do fornecimento do concreto também. Em outras vezes ocorre porque a taxa de armadura está muito alta, que atrapalha a passagem do pedrisco. Isso também gera bicheira. É uma somatória.
AGUIRRE O planejamento entra nisso. Eu vou comprar o concreto. De quem? A fôrma vai demorar três meses para chegar à obra depois que foi comprada. Já entra com o concreto, a primeira coisa. Qual é o traço que você vai usar? Qual é o traço na usina? Depois faz uma fôrma na obra. Pede para encher a fôrma.
Então é feito um ensaio?
AGUIRRE Sim, é feito um ensaio.
MAGALHÃES É feito um protótipo?
AGUIRRE Não. Já houve caso de pedirmos um concreto autoadensável e chegou um concreto de estaca. Eles confundem o concreto mole. A nossa dificuldade é que depois de 14 horas vamos desformar. Portanto, não pode ter água. Se colocar água para não ter o problema da bicheira, não dará para desformar com 14 horas. Uma coisa está muito ligada à outra. É preciso se preocupar muito com isso.
Há algum acompanhamento após a desforma?
AGUIRRE Sim.Existe uma ficha de verificação que faz parte do plano de qualidade. Toda construtora que tem acordo de financiamento com a Caixa Econômica Federal é obrigada a ter esse plano de qualidade. Essa ficha de verificação é feita diariamente. Se der algum problema, tem que haver solução. Senão, a hora que for ver, o prédio talvez já esteja pronto. Em oito dias eu tenho um prédio de 16 apartamentos pronto.
Em termos de tecnologia, o que há de mais moderno?
NASCIUTTI Desde a concepção – da laje nervurada e do sistema Atex -, o objetivo da laje nervurada sempre foi economizar concreto e aço. Com a vinda do plástico, conseguimos economizar madeira também. É um produto ecologicamente correto. Economizar matériaprima e fôrma, fazendo com que ela tenha a maior durabilidade possível. Foi com essa concepção que nasceu o nosso sistema Planex para substituir o madeirite. É possível substituir 100% da madeira? Não, exatamente por causa das variações, da falta de padrão. A mesma coisa acontece com a laje nervurada. Ainda é preciso usar alguns complementos de madeira por causa das variações dimensionais. E assim nasceu o Tubex. Qual o objetivo dele? Reduzir ainda mais o consumo de concreto. Como ele está trabalhando na zona da linha neutra, que é no centro da nervura, dá para tirar um pouco mais de tensão do concreto sem prejudicar a inércia nem o trabalho que a laje precisa fazer. Em contrapartida você economiza também eletrocarga. Você pode usar aquele vão para passar uma série de outras coisas. E pode servir de sustentação e suporte para outros subsistemas como elétrica e hidráulica. Sempre com o cunho de trazer a questão ambiental, a economia de recursos e a facilitação da industrialização dos processos de montagem.
BRAATZ A BKS tem como inovação, nessa última geração de fôrma de parede, características muito importantes. Uma delas é essa planicidade maior. Outro aspecto é a precisão dimensional – largura e altura dos painéis. O erro máximo permitido é de 3 décimos de milímetro. Isso significa que de 30 painéis, um adjacente ao outro, eu não erro mais de 9 mm, o que pode dar 18 metros. É uma precisão nunca vista. É um sistema apurado de soldagem que foi trazido da Alemanha e que nos dá essa precisão. Essa face frontal de polipropileno também nos dá grandes vantagens, e estamos lançando agora o chamado Deck System, para o sistema convencional. Nós já trabalhamos com vigas de alumínio, o sistema Alutop. Agora estamos lançando um painel que pode ter a face de compensado e pode ser de polipropileno. A grande vantagem está na montagem por baixo. Ela tem uma extremidade escamoteável que engata numa das vigas principais e a outra extremidade gira e se encaixa. A rapidez de montagem é impressionante.
Essa técnica já está no mercado?
BRAATZ Está e já temos várias obras com o Alutop. Agora, estamos introduzindo o Deck System. Na verdade, é uma complementação de quem já tem o sistema Alutop. Há diversas obras que usam o sistema em todo o país. Somam-se às vantagens a rapidez e a segurança para o montador.
Por: Gustavo Curcio e Lidice-Bá